Síndrome de Asperger 
Sexo Feminino

A vida é difícil. Ser adulto é difícil. Tomar decisões é difícil. Resolver problemas é difícil.

Sinto-me movida a falar sobre este assunto pelo grande número de pacientes que encontro no meu consultório a lutar diariamente com esta difícil realidade.

Obrigamo-nos a resolver algo complexo e delicado sem medos; obrigamo-nos a não dar importância quando são injustos connosco; obrigamo-nos a estar calados por não partilharmos da mesma opinião; obrigamo-nos a pôr um sorriso quando na verdade só temos vontade de chorar; obrigamo-nos a dizer um sim, quando o desejo é gritar um não; obrigamo-nos a ser empáticos com alguém que não nos devolve qualquer compaixão; obrigamo-nos a conter as nossas emoções para não parecermos frágeis… Isto é viver uma realidade falsamente estável e falsamente fácil.

Quem estiver a ler esta crónica e identificar no seu mundo interno estas questões, sabe bem do que estou a falar. Por isso, hoje, quero abordar o conceito de coragem, inspirado na professora Brené Brown, doutorada em Serviços Sociais.

A coragem consiste na capacidade de agir, apesar do medo que tantas vezes sentimos. Costumo dizer nas minhas consultas que o grande privilégio de ser adulto é ter o poder de fazer as suas Escolhas (a maioria das vezes, observo admiração em constatar tal facto, que é tão óbvio que às vezes não o vemos). Hoje o que quero dizer-lhe é: escolha ser corajoso! A coragem desaloja o medo! Escolha não querer tornar fácil o que é difícil. Escolha ouvir-se e respeitar-se, independentemente dos mundos que isso poderá fazer tremer (mesmo que seja o seu próprio mundo! Afinal, todas as estruturas abanam, mas nem todas se destroem ou caem).

Como ser corajoso?

  • Aceite que, de facto, muitas vezes a vida é difícil;

  • Atreva-se a conhecer-se: o seu bom e o seu menos bom, o seu melhor e o seu pior;

  • Desafie-se a olhar para dentro de si próprio e identifique o que as suas emoções lhe estão a dizer ou a pedir;

  • Identifique quem são as suas pessoas: pessoas que o respeitam, que o sabem ouvir e que não o julgam;

  • Permita-se sentir dor, mesmo quando sabe que irá ser insuportável… a dor também pode ser reparadora;

  • Pare de viver apenas para cumprir as exigências da sociedade;

  • Saboreie a liberdade de escolha nos desafios que a vida lhe traz.

Como reflexão final, deixo-lhe algumas formas de coragem que aprendi com os meus pacientes:

  • Coragem é alterar crenças e valores que me foram incutidos toda a minha vida, mas que para mim não faziam sentido.

  • Coragem é amar o meu bebé que ainda não se vê na ecografia, após 3 anos a perder filhos.

  • Coragem é conseguir atingir os meus objetivos à minha maneira e não da forma que a sociedade exige.

  • Coragem é dizer que não a alguém que gosto.

  • Coragem é dizer à minha companheira “não gostei da forma como me falaste”.

  • Coragem é enfrentar as minhas vergonhas.

  • Coragem é deixar o meu filho fazer as suas escolhas e não as escolhas que eu quero que ele faça.

  • Coragem é permitir-me amar alguém depois de ter sofrido um desgosto de amor.

  • Coragem é dizer à minha mãe: “precisava de tudo menos de ouvir esse sermão agora”.

  • Coragem é mostrar o pior de mim às minhas pessoas.

  • Coragem é dizer ao meu marido “estou cansada de me sentir sozinha quando vivemos juntos”.

  • Coragem é pedir divórcio quando já não sou feliz no meu casamento, mesmo sabendo que a minha família não me irá apoiar.

  • Coragem é dizer que não posso ir a um encontro de família, porque preciso de estar sozinha.

  • Coragem é não permitir que os meus pensamentos negativos, que me dizem “não vou ter piada ou vou aborrecê-los” me impeçam de estar com os meus amigos.

  • Coragem é acolher o sofrimento do meu filho, mas não o retirar.

  • Coragem é dizer ao meu chefe “Com todo o respeito, não permito que grite comigo”.

  • Coragem é dizer que sim a mim e não aos outros.

  • Coragem é falar do ente querido que faleceu e não evitar fazê-lo por vergonha ou com medo de causar mais sofrimento.

  • Coragem é acolher as emoções negativas (raiva, medo, frustração, tristeza, vergonha, ciúme) em vez de as evitar ou fingir que nem existem.

  • Coragem é reconhecer que não se está bem e conseguir pedir ajuda.

Crescemos com a certeza de que a vida tanto é boa como má, tanto é justa como injusta e que nas pessoas existe tanto o lado maravilhoso como o lado sombra. Por isso, vamos parar de comprar uma guerra com a vida e ter a coragem de sermos nós próprios? Com tudo de bom e de mau que temos,
claro.

Conto consigo para experimentar viver assim, corajoso todos os dias do próximo ano! Um Corajoso 2022!

Yennyfer Martins

PSICÓLOGA CLÍNICA